El Alto, a Cidade que se Sustenta nas Mãos das Mulheres Aymaras

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Pesquisa premiada revela como feirantes bolivianas tecem uma economia de afeto e solidariedade que desafia o avanço dos grandes mercados e garante soberania alimentar.

São Paulo • 25/09/25 às 14:29h
Atualizado • 25/09/25 às 14:58h

Em um mundo frequentemente regido pela lógica impessoal do lucro, a cidade de El Alto, nos arredores de La Paz, respira um ritmo diferente. O ar rarefeito da altitude é preenchido pelo calor dos encontros, pelo cheiro da comida fresca e pela força quieta de quem constrói o próprio destino. São as mulheres aymara, com seus aguayos coloridos e olhos que carregam a sabedoria dos Andes, as protagonistas absolutas dessa outra forma de fazer economia. Uma economia que tem sabor de história, de comunidade e, acima de tudo, de afeto.

A força e a resiliência dessas mulheres foram o cerne da pesquisa da antropóloga Chryslen Mayra Barbosa Gonçalves, recentemente agraciada com a Menção Honrosa no Prêmio Tese Destaque Unicamp 2024/2025. Mais do que um estudo acadêmico, seu trabalho é um mergulho na vida de 25 famílias que mostram, na prática, o significado de “economia solidária”.

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“Eu trabalhei com mulheres que são ‘comideiras’, que produzem a comida, um prato próprio de lá, e vendem no geral ou nas feiras, nos mercados ou nas praças. E também com mulheres que vendem batatas, tubérculos para a produção desses pratos”, conta Chryslen, carinhosamente chamada de Krislyn. Ela passou longos períodos convivendo com essas empreendedoras, compartilhando seu dia a dia e aprendendo com sua lógica comunitária.

O que a pesquisa revela é poderoso. Os mercados populares de El Alto não são apenas pontos de venda. Eles são a materialização de um sistema econômico alternativo, enraizado em tradições indígenas. Lá, o valor de uma transação vai muito além do dinheiro trocado. É o fortalecimento de um vínculo, a confiança construída no olho no olho, o cuidado em oferecer o melhor produto vindo diretamente das comunidades rurais. São relações que se contrapõem ao individualismo e criam uma barreira eficaz contra a expansão de grandes redes de supermercados na região.

“Essas mulheres constroem relações que não são individuais, e que impedem o estabelecimento de supermercados. Os mercados lá são populares por relações interpessoais, de afetos”, explica a antropóloga. Para dona Juana, uma das comideiras acompanhadas por Krislyn, a feira é sua segunda casa. “Aqui não só vendemos, mas nos encontramos, cuidamos umas das outras. Se uma está com dificuldade, a outra ajuda. O que ganhamos é de todas, porque sustenta nossas famílias e nossa comunidade”, relata, enquanto serve uma generosa porção de plato paceño a um cliente habitual.

Esse vínculo contínuo entre o rural e o urbano é a espinha dorsal desse modelo. As filhas e netas mantêm a conexão com as terras de origem, de onde vêm os ingredientes que dão sabor e autenticidade aos pratos. É uma cadeia produtiva que gera soberania alimentar, garantindo que o conhecimento ancestral sobre o cultivo e a preparação dos alimentos não se perca.

Krislyn destaca que se deparou com “um outro mundo, que é o mundo mais feminino, que é o mundo de afetos, que é o mundo de cuidados”. Termos em aymara, como ayni (reciprocidade) e chuyma (coração, espírito), permeiam essas interações, formando uma teia de sustentação mútua que desafia as definições convencionais de “economia informal”.

A Menção Honrosa recebida por Chryslen Gonçalves é, portanto, um reconhecimento que ultrapassa os muros da universidade. É um olhar de respeito e admiração para as mulheres de El Alto, que, com suas mãos calejadas e coragem inabalável, não apenas garantem o sustento de suas famílias, mas também protegem um modo de vida comunitário que oferece uma resposta humana e solidária aos desafios do nosso tempo.

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Acessar teses aqui:
repositorio.unicamp.br/Acervo

Fonte: Adaptado de postagem oficial da Unicamp (X.com, 24/09/2025).
Pesquisa orientada pela professora Artionka Capiberibe,
com coorientação de Juliane Müller.
Fotos/Vídeo: Divulgação

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