Bolívia Vira a Página: Lei Histórica Proíbe Casamento Infantil Sem Exceções

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Após anos de mobilização de ativistas, o Congresso boliviano elimina permissão que permitia o matrimônio de adolescentes a partir dos 16 anos com autorização dos pais. A medida visa proteger meninas de ciclos de violência, abandono e gravidez precoce.

São Paulo • 19/09/25 às 11:44h
Atualizado • 19/09/25 às 22:57h

La Paz – María* tinha apenas 14 anos quando seus pais lhe sugeriram que se casasse. O noivo tinha o dobro da sua idade. O que se seguiu foi uma gravidez precoce, um parto com complicações e, por fim, o abandono. Ela ficou completamente sozinha com o recém-nascido. A história de María, infelizmente, não era um caso isolado na Bolívia, onde uma brecha na lei permitia que o casamento infantil persistisse.

Nesta quarta-feira (17/09), a Bolívia deu um passo monumental. A Câmara de Deputados aprovou, por ampla maioria, uma lei que elimina definitivamente todas as exceções que permitiam o casamento de menores de 18 anos. A normativa anterior, o Código de Famílias, estabelecia a maioridade como idade mínima, mas abria uma perigosa exceção: adolescentes de 16 e 17 anos podiam se casar com a autorização de seus pais ou tutores.

“É um fato histórico que implica um passo enorme e fundamental na defesa dos direitos das crianças e adolescentes na Bolívia”, comemorou Jimena Tito, da organização Save the Children, em entrevista à BBC News Mundo a partir de La Paz. Segundo dados oficiais do Serviço de Registro Cívico, essa exceção permitiu a realização de pelo menos 4.804 matrimônios envolvendo menores de idade. Somente entre 2020 e 2023, 487 desses casamentos envolveram meninas com menos de 15 anos.

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A senadora Virginia Velasco foi a responsável por promover a reforma legal que proibiu o casamento de menores de 18 anos na Bolívia. Foto: Aizar Raldes / AFP.

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A mudança é fruto de uma longa batalha encabeçada por senadoras e organizações de direitos humanos. A senadora Virginia Velasco, do Movimento ao Socialismo (MAS), conheceu a história de María enquanto trabalhava com famílias vulneráveis em El Alto. Essa experiência a impulsionou a apresentar o projeto em 2022. “Não foi fácil. Foi uma luta que demos unidas, caindo e levantando. É um logro histórico e inédito para evitar que se vulnerem os direitos de crianças e adolescentes”, disse a parlamentar à BBC.
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Um Problema de Magnitude “Enorme”

Para os especialistas, a aprovação da lei é apenas o primeiro passo de uma jornada mais longa. Os números mostram a dimensão do desafio. Quase 3% das meninas bolivianas, aproximadamente 32.000, vivem em uniões livres ou concubinatos antes de completarem 15 anos. Como essa convivência estável entre um adulto e uma menor de 16 já era ilegal, esses casos não aparecem nas estatísticas de casamento formal, mas representam portas abertas para uma série de violações.

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Jimena Tito alerta que essas situações podem levar a crimes como violência sexual, estupro, gravidez infantil e até tráfico de pessoas. Dados do Ministério da Saúde boliviano reforçam a gravidade: desde 2015, foram registrados mais de 458.000 embarazos de meninas e adolescentes no país.

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A especialista argumenta que, embora haja tentativas de vincular a prática a costumes culturais ou indígenas, a raiz do problema é a naturalização da violência. “Pode haver uma vinculação com o económico, mas a vinculação mais grande que existe é a naturalização desta problemática. Se meus vizinhos não me dizem nada e mais bem vêm à ‘festa’, então está bem para mim”, explica Tito, destacando que o fenómeno não se restringe às áreas rurais.

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O Próximo Passo: Conscientização

Com a aprovação na Câmara de Deputados, o Senado já havia aprovado o projeto no início do ano , a lei agora aguarda a promulgação pelo presidente Luis Arce. A partir de então, começa o trabalho de base.

A senadora Velasco, que também foi ministra da Justiça de Evo Morales, já traça o plano: “Agora toca trabalhar na conscientização, percorrer escolas, universidades, pequenas localidades contando quais são os direitos das meninas”. O objetivo é que a sociedade boliviana, como um todo, deixe de ver essas uniões como algo normal ou aceitável.

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O debate sobre o casamento infantil toca diretamente o coração do próprio partido no poder, o MAS. Seu líder histórico, Evo Morales, está atualmente sendo investigado pelo crime de tráfico agravado de pessoas, relacionado ao alegado abuso de uma menor de 15 anos, com quem teria tido um filho. Morales nega as acusações e se abrigou em uma região de Cochabamba, evitando uma ordem de detenção. Questionada sobre o caso, a senadora Velasco foi enfática: “A Justiça é igual para todos. (…) Aquele que cometeu um delito, tem que ser sancionado conforme a lei”.

A nova lei posiciona a Bolívia em conformidade com os padrões internacionais de direitos humanos, seguindo recomendações de organismos como a ONU e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, fechando, finalmente, uma brecha legal que custou a infância e o futuro de milhares de “Marias”.

*O nome foi alterado para preservar a identidade da entrevistada.

fonte: bbc.com/mundo
Ayelén Oliva
@ayelenoliva

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