A Valorização da Língua Quechua: Uma Linguagem Focada no Outro e no Coletivo

Quechua valoriza a coletividade e o bem-estar do próximo, refletindo uma filosofia de vida baseada na ajuda mútua. Entenda como a língua expressa a essência da cultura andina.

Publicado • 05/09/24 às 11:42h

A língua quechua, um dos idiomas nativos mais falados nos Andes, possui uma característica única que a distingue de muitos outros idiomas: seu foco no outro. Após mais de uma década de estudos, o antropólogo americano Bruce Mannheim concluiu que o quechua é uma língua que privilegia a perspectiva do próximo, em contraste com o espanhol, que tende a ter um viés mais egocêntrico. Essa observação foi detalhada por Mannheim em uma entrevista publicada no site OPINIÃO da Bolívia, onde ele explorou as diferenças culturais e linguísticas que emergem dessa abordagem única.

Mannheim apresentou um exemplo que ilustra bem essa diferença de perspectiva. Imagine uma mesa onde se coloca um celular e, próximo a ele, uma caneta. Um falante de espanhol provavelmente diria que “a caneta está sobre o celular”, enfatizando a relação da caneta com o próprio objeto. Em contraste, um falante de quechua descreveria a cena destacando a relação espacial e a conexão entre os objetos, dizendo que “no cabeçalho do dispositivo, está um objeto”, focando-se na maneira como um objeto se relaciona com o outro, em vez de se concentrar apenas no objeto em si.

Essa forma de pensar e se expressar reflete uma visão de mundo profundamente enraizada na comunidade e no coletivo, onde a interdependência é fundamental. Exemplos dessa abordagem foram apresentados por Mannheim durante o primeiro “Encontro Internacional de Arqueologia e Etnohistória nos Andes e Terras Baixas: Dilemas e Olhares Complementares”, realizado em agosto de 2015. Ele explicou que o quechua está imerso na filosofia andina do ayni, que se traduz como ajuda mútua e cooperação, princípios centrais na vida cotidiana dos povos andinos.

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A afetividade e o interesse genuíno pelo bem-estar do outro são evidentes em várias expressões comuns do quechua. Enquanto o espanhol utiliza uma saudação casual como “olá”, em quechua, usa-se “Allillanchu?” que significa “Você está bem?”. Esta pergunta não é apenas uma formalidade, mas um verdadeiro interesse pelo estado emocional e físico da outra pessoa, refletindo a natureza coletiva e solidária da língua e da cultura andina. Da mesma forma, em vez de dizer “adeus” ou “tchau”, que são despedidas mais definitivas no espanhol, o quechua utiliza “Tinkunanchiskama”, que pode ser traduzido como “até nos encontrarmos novamente”, expressando um desejo sincero de reencontro e continuidade das relações.

Essas diferenças não são meramente linguísticas; elas são expressões de uma cosmologia e de um modo de vida que valoriza a reciprocidade, o respeito mútuo e a conexão profunda com a comunidade e o ambiente. Para os quechua-falantes, a linguagem não é apenas um meio de comunicação, mas um reflexo de sua identidade cultural e de suas relações com o mundo ao seu redor.

Aprender o quechua, portanto, não é apenas aprender um idioma, mas também mergulhar em uma filosofia de vida que valoriza a comunidade, a interdependência e o respeito pela PachaMama, a Mãe Terra. É uma língua que, além de ser rica e complexa, carrega consigo séculos de conhecimento, tradição e uma visão de mundo que é profundamente afetiva e inclusiva. Para compreender plenamente a cultura andina e seus valores, é essencial entender o quechua, uma língua que continua a ser uma expressão viva e vibrante de um modo de vida ancestral.

fonte: CCEAYAWARWAYNA

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