Coletivos como as “Cholitas da Babilônia”, formados por imigrantes originárias dos Andes que vivem em São Paulo, marcam presença no Acampamento Terra Livre 2025, reafirmando a luta por território, dignidade e reconhecimento no Brasil.
Publicado • 08/04/25 às 11:16h
Atualizado • 09/04/25 às 09:14h
Brasília, DF — Em um dos momentos mais significativos do Acampamento Terra Livre (ATL) 2025, mais de seis mil indígenas de diferentes povos ocuparam as ruas da capital brasileira na terça-feira (8). Entre os participantes, um grupo chamou atenção pela força simbólica e política que carrega: as “Cholitas da Babilônia”, que fazem parte de AYNI – Articulação Andina de Indígenas Migrantes, coletivo formado majoritariamente por mulheres indígenas andinas imigrantes, residentes na cidade de São Paulo.
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Vestindo peças tradicionais da cultura andina — aguayos, chuspas, mantas e polleras —, com chakanas ilustradas no rosto e empunhando a Wiphala como símbolo de resistência, elas marcharam com faixas erguidas e gritos firmes: “MULHERES ANDINAS NA LUTA!”. Um lema que sintetiza o espírito da mobilização, ecoando a força ancestral e coletiva das mulheres que resistem, reivindicam e reexistem.
A presença das “Cholitas da Babilônia”, que nasceram em países como Bolívia, Peru, Equador, Argentina, mas vivem no Brasil há anos, revela um novo capítulo da luta indígena no território brasileiro: a presença ativa de povos originários migrantes, que embora deslocados geograficamente, mantêm vivas suas culturas, seus idiomas e seu direito de reivindicar espaço e voz. Elas não estão sozinhas — fazem parte de um crescente movimento pan-andino que conecta a resistência dos Andes à floresta amazônica, ao cerrado e às metrópoles brasileiras.
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Um grito que atravessa fronteiras
As “Cholitas da Babilônia” nasceram como coletivo em meio à invisibilidade cotidiana que enfrentam nas periferias de São Paulo — especialmente no bairro do Glicério e na região do Brás, onde vivem e trabalham. Muitas são trabalhadoras têxteis, ambulantes, artistas e académicas, e se reuniram para promover sua cultura, denunciar opressões e exigir direitos plenos como mulheres indígenas imigrantes.
Em Brasília, elas integraram a marcha nacional que percorreu as ruas da cidade até o Congresso Nacional, denunciando o avanço de projetos de lei que ameaçam os territórios indígenas e cobrando do Estado brasileiro a implementação de políticas que incluam todas as etnias originárias, incluindo aquelas vindas de fora das fronteiras oficiais, mas que compartilham das mesmas raízes ancestrais.
“Ser imigrante não nos tira o direito de ser reconhecidas como indígenas”, declarou uma das líderes do coletivo. “O colonialismo é o mesmo, a opressão é a mesma, a luta também é nossa.”
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Luta coletiva no ATL 2025
O Acampamento Terra Livre, realizado de 7 a 11 de abril, é o maior evento político do movimento indígena brasileiro e reúne povos de todo o país. Neste ano, sob o tema “Apib somos todos nós: nosso futuro não está à venda!”, o evento celebra os 20 anos da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), referência nacional e internacional na defesa dos direitos indígenas.
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A mobilização é organizada por sete grandes articulações regionais — incluindo a COIAB (Amazônia), o Conselho Terena (Centro-Oeste), a ARPINSUDESTE (Sudeste), entre outras — e conta com programação intensa: debates, plenárias, sessões no Congresso, atos públicos e manifestações culturais.
Na terça-feira, uma sessão solene na Câmara dos Deputados homenageou os 20 anos da APIB. A iniciativa partiu da deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG), da Bancada do Cocar. Durante a tarde, os debates giraram em torno da criação da Comissão Nacional Indígena da Verdade e do enfrentamento à violência nos territórios indígenas.
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Imigrantes indígenas no Brasil: invisibilidade e resistência
Embora a Constituição Federal reconheça os direitos dos povos originários, pouco se discute sobre o lugar dos povos indígenas imigrantes no Brasil. Eles enfrentam uma dupla marginalização: por serem estrangeiros e por sua identidade indígena ser ignorada ou invalidada.
“Nós, povos indígenas, seguimos em luta para que a Constituição seja respeitada. Isso passa pela garantia e implementação de nossos direitos, pelo respeito às instituições e pela escuta ao movimento indígena. Só assim poderemos fortalecer, de fato, a democracia brasileira”, afirmou Diana Soliz, ativista social da etnia aymara boliviana.
A presença das Cholitas no ATL 2025 é também uma afirmação de pertencimento. “Estar aqui é um ato político. Nossos filhos nasceram no Brasil, crescem sem referência. Participar do ATL é dizer a eles que temos história, temos nome, temos luta”, afirma uma jovem aimara do coletivo.
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Repercussão internacional
A mobilização das mulheres indígenas andinas migrantes começa a ecoar além das fronteiras brasileiras. Diversos meios de comunicação na Bolívia, Peru e Argentina repercutiram a participação das Cholitas da Babilônia no ATL, destacando a importância de reconhecer os povos originários como sujeitos transnacionais, portadores de direitos, cultura e memória.
Esse ativismo fortalece a integração continental dos povos indígenas, que vêm se articulando em redes de solidariedade e mobilização, conectando os Andes às causas amazônicas, cerratenses e costeiras. A luta das mulheres andinas em São Paulo e Brasília é, portanto, parte de um movimento muito maior: o de reexistir onde quer que estejam, reafirmando sua identidade frente ao racismo, à xenofobia e ao apagamento cultural.
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Um futuro ancestral
A caminhada das Cholitas e de tantas outras mulheres indígenas — brasileiras ou imigrantes — é o símbolo de uma ancestralidade viva que segue trilhando novos caminhos. Ao marcharem em Brasília, elas não pedem permissão: ocupam, denunciam e transformam. E repetem em uníssono: “Nosso futuro não está à venda.”
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vídeo: Canal MPF