Ofelia: A Revolução da Figura na Morenada do Carnaval de Oruro Boliviano

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Carlos Espinoza e sua trajetória na dança que desafiou padrões e inspirou gerações

Publicado • 06/02/25 às 02:39h
Atualizado • 06/02/25 às 02:55h

Em 1968, aos 24 anos, Carlos Espinoza decidiu integrar o grupo Los Negritos del Pagador no tradicional Carnaval de Oruro da Bolívia. No entanto, sua escolha de se apresentar vestido de mulher, personificando a enigmática “Ofelia”, marcaria uma reviravolta na dança da morenada. Dois anos depois, sua presença se tornaria um ícone esperado no desfile da Morenada Central Oruro, transformando para sempre o papel das figuras femininas dentro do folclore boliviano.

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Com um traje meticulosamente elaborado — saias rodadas, blusas ajustadas, meias arrastão, botas de salto e uma máscara representando a tradicional china morena —, Espinoza não apenas cativava os espectadores, mas também pavimentava o caminho para uma maior visibilidade das mulheres na dança.

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O Nascimento de um Ícone

Em sua estreia na morenada, Espinoza avançou algumas quadras antes de perceber que desconhecia os passos da coreografia. “Ouvindo a música, comecei a improvisar, e os movimentos foram se tornando naturais. Aos poucos, a coreografia se consolidou e acabou sendo incorporada à dança”, recorda.

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O nome “Ofelia” surgiu dentro dos Los Negritos del Pagador e, com o tempo, se tornou sua identidade artística. O jornalista Juan Laura Andrade relata que a aclamação do público era intensa. “Ele desfilava com passos contagiantes, e todos gritavam ‘Ofelia! Ofelia!’. Era um verdadeiro espetáculo.” Já o jornalista José Luis Zabalaga Mendoza afirma que Ofelia foi essencial para a valorização da figura na morenada. “Ele revolucionou a dança. Podíamos dizer que era uma mulher belíssima. Sua contribuição foi inestimável para o Carnaval de Oruro.”

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Quebrando Barreiras e Inspirando Gerações

Desde a infância, Espinoza se identificava com o universo feminino. Ao levar essa vivência para a dança, abriu portas para que travestis e outras expressões de diversidade de gênero participassem ativamente do folclore boliviano, tanto em Oruro quanto em La Paz. Sua presença ajudou a consolidar personagens como as china morenas, ñaupas e cholitas dentro dos desfiles carnavalescos.

Além de dançar, Espinoza passou a integrar a diretoria da Morenada Central Oruro, ensinando coreografias para novas integrantes e promovendo a inclusão das figuras femininas na dança.

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A Influência na Moda Folclórica

A experiência como estilista permitiu que Espinoza introduzisse inovações na vestimenta da morenada. Seu primeiro traje, em tom mostarda, foi simples, mas marcante. Com o tempo, refinou os bordados, incorporou pedrarias e fios de fantasia e foi pioneiro na introdução de plumas nos chapéus. Inspirado na moda europeia e no twist dos anos 60, aumentou a altura das botas, elevou as plataformas e encurtou as saias, revolucionando o figurino das dançarinas.

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Uma Revolução Estética e Cultural

O pesquisador David Aruquipa, autor de estudos sobre diversidade sexual, descreve Ofelia como um divisor de águas no Carnaval de Oruro. Sua estética sensual, inspirada nas vedetes da época, desafiou os padrões sociais e gerou admiração do público. “Ele trouxe uma nova linguagem visual para o Carnaval, que misturava erotismo e empoderamento feminino”, destaca Aruquipa.

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Antes de Ofelia, as china morenas cobriam o rosto com máscaras e usavam trajes volumosos. Com o tempo, os figurinos se tornaram mais ajustados, as máscaras foram deixadas de lado e as figuras femininas passaram a ocupar um papel central nas morenadas. Hoje, a presença de mulheres dançando sem máscaras e com maquiagem elaborada é um legado direto da coragem de Espinoza.

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Resistência e Persistência

Nos anos 70, a visibilidade LGBTQ+ no Carnaval de Oruro sofreu repressões, especialmente após um incidente na festa de Gran Poder, quando Peter Alaiza, conhecido como “Barbarella”, beijou o então presidente Hugo Banzer Suárez. O episódio levou à proibição da participação de homossexuais nos desfiles, incluindo o Carnaval de Oruro. No entanto, a criatividade e resistência dos dançarinos garantiram a continuidade da tradição.

Hoje, Carlos Espinoza, a eterna Ofelia, vive em Oruro, após 20 anos em Cochabamba. Ele administra um comércio de roupas infantis no Mall da antiga Rodoviária. Seu legado, porém, segue vivo na dança e na história do Carnaval de Oruro, que jamais será o mesmo sem a figura que revolucionou a morenada.

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