Celebração na Praça Kantuta reúne centenas de pessoas em um ritual de esperança, união e resistência cultural que conecta quatro continentes em torno do Bem Viver e do retorno do Sol.
Na madrugada gelada de 21 de junho de 2025, quando os primeiros raios do sol nascerám no céu da zona norte de São Paulo, um grito coletivo de esperança e celebração foi espalhada pela Praça Kantuta, no bairro do Canindé. Foi o ápice da cerimônia do Ano Novo Andino 5.533, também conhecido como Willka Kuti (Retorno do Sol) ou Machaq Mara (Ano Novo), data que marca o solstício de inverno no Hemisfério Sul e o renascimento do Sol segundo a tradição milenar dos povos andinos.
O evento, organizado pelo Centro Cultural Andino Amazônico (CCAA) com apoio do Ministério dos Povos Indígenas, já faz parte oficial do calendário de celebrações da cidade de São Paulo, uma metrópole marcada pela diversidade cultural e pela presença ativa de comunidades migrantes, especialmente de povos originários da América Latina.
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Um ritual de resistência e de afirmação cultural
Desde as 22h do dia 20 de junho, a Praça Kantuta se transformou em um grande espaço de espiritualidade, acolhimento e ancestralidade. Pessoas de diferentes origens – bolivianos, peruanos, brasileiros, argentinos e até visitantes europeus e áfricanos – se reuniram para vivenciar a força simbólica do ciclo solar e da cosmovisão andina.
A cerimônia foi conduzida pelos guias espirituais Mama Elena e Tata Mario, que representaram com orgulho a dualidade sagrada entre o feminino e o masculino. “Homem e mulher não competem. Um é complemento do outro. Assim é a harmonia do universo, assim deve ser a harmonia da nossa sociedade”, afirmou Mama Elena, com a voz carregada de emoção e energia.
A cada batida dos Sicuris, grupo tradicional de música andina que embalou a madrugada, o público se aproximava mais do círculo de energias positivas que se formava no centro da fogueira no círculo central na praça. Mãos estendidas em direção ao leste, orações em espanhol, português, aimara e quechua, e a certeza de que o novo ciclo trará mais união, mais luta e mais esperança para os povos originários de toda a Abya Yala – como os povos indígenas chamam o continente americano.
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Uma celebração internacional que conecta quatro continentes
Este não como é costume é um evento internacional. Por meio da parceria com a RTP – Rádio Televisão Popular da Bolívia, a cerimônia na Praça Kantuta faz parte de uma rede internacional de celebrações, com transmissões simultâneas de rituais unindo Tiwanaku (Bolívia) – o epicentro espiritual do Ano Novo Andino – além de cidades na Argentina, Espanha, Estados Unidos e outros pontos do planeta onde comunidades andinas vivem em diáspora.
Tiwanaku, antiga capital do império Tiwanacota e berço da cultura aymara, foi mais uma vez o principal centro de referência, reafirmando o protagonismo da Bolívia na preservação e difusão deste patrimônio imaterial da humanidade.
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Compartilhamento e solidariedade como princípios fundamentais
Seguindo os princípios do Bem Viver (Sumak Kawsay), os alimentos servidos na Praça Kantuta foram preparados e compartilhados de forma comunitária e gratuita. Cada participante trouxe um pouco de sua cultura e sua fé, transformando a noite em um verdadeiro banquete de solidariedade, com ofertas de frutas, pão caseiro, bolos e pratos típicos.
Essa rede de cuidado e acolhimento foi construída por ativistas culturais, lideranças espirituais e voluntários que demonstraram na prática que a união dos povos é a força transformadora desta geração.
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Um chamado global pela harmonia com a Pachamama
O Ano Novo Andino não é apenas uma celebração festiva. É um grito de resistência, um chamado à reconexão com a natureza e um convite à humanidade para repensar seus modelos de vida em harmonia com a Pachamama (Mãe Terra).
Em um momento de tantas crises ambientais, sociais e políticas, a espiritualidade dos povos originários aponta para um futuro onde a coletividade, o respeito à diversidade e a convivência pacífica com a natureza sejam prioridades.
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Jallalla aos povos originários!
Ao final da celebração, com os primeiros raios do sol iluminando a Praça Kantuta, um coro coletivo de “Jallalla!” – palavra aimara que significa bênção, vida e força – selou o início do novo ciclo. Um novo tempo de resistência, de celebração e de luta por um mundo mais justo e equilibrado.
Que o Ano Novo Andino 5.533 seja, para todos os povos da Abya Yala e do mundo, um ano de renascimento, consciência coletiva e respeito aos ensinamentos ancestrais.
Jallalla aos povos originários! Jallalla à Pachamama! Jallalla à vida!